quarta-feira, 21 de junho de 2017

Τέχνη et al.



Dizia uma vez um professor universitário brasileiro “Deem-me um bom aluno de Latim ou Grego e eu farei dele um grande matemático.” De facto, estas línguas clássicas são apelidadas de matemáticas das línguas. Se decompusermos, por exemplo, a palavra Matemática, verificamos que ela é constituída por μαθ [mat], o tema do verbo μανθάνω, [mantáno] que significa “aprender” e pela palavra τέχνη [téknê] que significa “técnica, arte, ciência”, daí ser a matemática a arte de aprender.
Com efeito, a palavra grega τέχνη está na origem dos sufixos –tica e –ica de imensas palavras portuguesas, acrescentando-lhes aquele(s) significado(s). Assim, temos também a música, que é a arte das Musas (μῦσαι [müssai]); a política como a arte de conduzir/governar a cidade (πόλις [pólis]); a didática, a arte de ensinar (διδάσκειν [didáskein]); a física, a arte da natureza (φὐσις [füssis]) das coisas; a gramática, a arte das palavras (γράμματα [grámata]); a fonética, arte dos sons (ϕωναἰ [fônái]); a náutica, a arte dos marinheiros (ναῦται [náutai]); a ética, a arte dos costumes/moral (ἔθος [éthos]); a ginástica, a arte de praticar desporto à maneira dos jogos olímpicos da antiguidade, literalmente, γυμνός [gümnos], ou seja, nu.
Temos também outros termos helénicos que nos auxiliam na perceção doutros vocábulos lusos. Com ὑπέρ [hüpér] e ὑπό [hüpó],  que significam, “em cima” e “embaixo”, percebemos mais facilmente quando alguém sofre de hipertensão ou hipotensão, respetivamente; ou até distinguimos melhor o hiperónimo do hipónimo.  De igual modo, as palavras ὅλος [hólos], que significa “inteiro, todo” e  μέρος [méros], que significa “parte” nos ajudam a distinguir um holónimo dum merónimo.
Se soubermos, e. g., que ψευδής [pseudês] quer dizer falso; que ποδός [podós] é pé; que ἄκρος [ácros] é o mais alto, teremos um leque vocabular mais rico… Compreenderemos melhor o que é um pseudónimo, o que é um podologista e o que é um acrónimo. Também o advérbio εὐ [eu], que significa “bem” ou “com bondade”, nos explica a eutanásia (boa morte), a eugenia (boa origem) e o eufemismo (dizer bem (algo desagradável)) … Ou αματος [háimatos] ajuda-nos a compreender as palavras relacionadas com o sangue: Hemácias, hematologia, hematose, anemia (an+hemia), glicemia (sangue doce), leucemia (sangue branco)… Ou ainda ἄλγος [álgos], significa “dor” distingue-nos os vários tipos de dor: mialgia (nos músculos); lombalgia (na zona lombar); quiralgia (nas mãos); ou o analgésico, que tira as dores ou a nostalgia, que é o regresso à dor…

πατος [hêpatos] é o fígado e, daí a hepatite, que por sua vez tem também a palavra ἴτις [ítis], que significa “inflamação”; então todos os nossos vocábulos terminados em –ite designam uma inflamação em qualquer parte do nosso corpo: apendicite, laringite, otite, rinite, tendinite, …
Como os gregos antigos já eram um povo de marinheiros, isto é, ναῦται [nautai], termino com as palavras νῆσος [nêssos] ou νῆσια [nêssia] que significam “ilha”. Qualquer palavra terminada com alguma delas tem esse significado associado. Assim, temos o Dodecaneso (arquipélago de 12 ilhas no mar Egeu); o Peloponeso (ilha de Pélops); a macaronésia (ilhas afortunadas do Atlântico - Açores, Madeira, Canárias e Cabo Verde); temos também a Indonésia, Polinésia, Micronésia, … Aliás, quando ficamos com “amnésia”, ficamos como que presos numa ilha da qual não conseguimos sair.

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